Abriu o portão como se não soubesse
ainda para que lado empurra a dor.
Olhou-me de frente, de longe, de uma
idade que talvez adivinhe tudo, mas não
sabe. Avançou até mim arrastando um
século indeciso em cada passo, como a
descer os degraus antes de os ter subido.
Chegou exausto, à procura de enganos:
ave tão atenta a uma migalha de sol na
palma distraída da minha mão. Mas não
os encontrou. Baixou então os olhos
para o papel que trazia entre os dedos
como uma ferida e, sem os levantar,
sem levantar a voz, perguntou-me por
fim se era eu. Disse-lhe que sim e
que queria ouvir logo o que não queria
ouvir em toda a vida: havia uma notícia
escura dentro dos seus olhos, névoa a
urdir tormenta nunca vista. Deu-ma
com o tempo a atrasar-se muito nos
seus lábios - a morte a desenhar-lhe
finalmente a boca. E depois deixou-se
ficar ali sem existir- casa sem chão,
pedra de uma rua que ninguém pisa.
As minhas lágrimas puderam aliviá-lo
do seu fardo emprestado - por essa
altura, já ambos descobríramos que o
destino nunca se engana no nosso nome.

Maria do Rosário Pedreira