Falava-se da casa (a minha mãe
falava)
donde viéramos
porém pouco ficara do lugar colocado
à frente dos espelhos da infância
quando em penumbra a vida
se envolvia
Na casa nova a ria começava
logo depois do largo (a feira vinha
com a febre em outubro)
Havia no quintal um poço a corda ia
correndo na roldana e o balde
batia na água com um som vazio
era preciso
bater de novo até encher
subi-lo
com água que nem plantas poderiam
beber a ria vinha
até ali outrora
água salgada e doce misturara-se
ambígua no ar da casa sob os tectos
distantes
tal como a primavera
floria as malvas e aumentava os dias
e no inverno a noite começava
com a espera do meu pai que parecia
vir sempre tarde com
moedas novas reflectindo ainda
o dia findo
À mesa eu observava-lhe
a mão
a meu lado pousada e tacteava
na pele irregular as covas que no meio
os dedos estendendo-se formavam
No comprido canteiro do quintal
o pessegueiro dava flor mais tarde
que a branca amendoeira do quintal do lado
Durante o ano inteiro sobre o muro
os seus ramos tocavam-se

Gastão Cruz