Quando meu navio se atraca ao cais,
Comigo irá sair uma canção,
Que antes do mar ninguém ouviu,
E onde irá competir com o chamado das sereias.
Nela há somente aquosos sons vocálicos,
Que soam assim quando mal se transpõem
Da língua da errância à dos atraques:

Amo-te com o grito rouco das gaivotas,
Com o grito das águias voando ao cheiro figadal de Prometeu ,
Com o silêncio-mil-faces das tortugas,
E o silvante piar dos cachalotes, querendo se parecer com um rugido,
E a pantomima tentacular dos polvos,
Por quem todas as algas se arrepiam.
Amo-te com todo meu corpo saído do oceano,
Com seus rios que afluem ao Amazonas e ao Mississipi,
Com os desertos que se imaginam mares,
Ouves como sua areia se infiltra em minha garganta ressecada.

Amo-te com coração, pulmão, pupila,
Amo-te com a crosta terrestre e o céu estrelado,
A queda das cascatas e a conjugação dos verbos,
Amo-te com a invasão da Europa pelos hunos,
A Guerra dos Cem Anos e o jugo dos mongóis,
O levante de Espártaco e a Grande Migração dos povos,
Com a coluna de Alexandre e a Torre de Pisa,
E a corrente do golfo que aquece o Polo Norte.

Amo-te com o pé da letra da lei da gravidade,
E com a condenação à pena capital,
Pena de morte pela queda eterna
Em teu triângulo sem fundo das Bermudas.

Vyacheslav Glebovich Kupriyanov, trad. Aurora Fornoni Bernardini