A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não acabarem).
Esta certeza tive-a hoje ao entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar ao balcão;
eu perguntei: «Que fez algum poeta por este senhor?»
E a pergunta afligiu-me tanto
por dentro e por fora da cabeça
que tive que voltar a ler toda a poesia
desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça. -- Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? --

Manuel António Pina