Aceito que os dias passem tão iguais,
no que não dão.
Com alguma moléstia de alma, que ainda guardo: aceito.

Aceito a falta de talento à altura dos que mais admiro
(de Cervantes a tantos outros seres dados à Ciência e ao oblíquo,
já sem falar de vários pais de filhos e de vários filhos de alguns pais).
Aceito não ter um metro e noventa e quatro ou a elegância de um póster.
Aceito (com indesmentível pesar) não constar dos recordes da sexualidade prática.
Aceito (chateado, mas não tanto) não ser imbatível nos matraquilhos
(nem sequer consegui ser o maior campeão do mundo de xadrez, no universo).

Aceito.

Aceito não ser o maior trabalhador de todos os tempos,
nem sequer o mais pontual.

Aceito que a vida seja o que nunca foi e nunca será.
E aceito que não sou (no perto e no longe)
o mais tremendo dos injustiçados
(há uma certa nobreza em dizê-lo, e aceito que tem a mesma os seus limites).

Não me peçam, porém, sorrisos ou palavras contentes
(com três ou quatro sílabas, por exemplo).

A minha cara é a de um monstro
de olhos azuis.

Rui A.