Corpo, corpo, porque me abandonaste?
“Tomai, comei”, pois sim, mas quando
a química não chega para adormecermos,
a que divindades havemos de nos acolher
senão àquelas últimas do passado soterradas
sob tanta chuva ácida e tanta investigação histórica,
tanta psicologia e tanta antropologia?
A memória, sem o corpo, não é ascensão nem recomeço,
e, sem ela, o corpo é incapaz de nudez
e de amor. Agora podemos calar-nos
sem temer o silêncio nem a culpa
porque já não há tais palavras.

Manuel António Pina