Não sei porque não falam disto.
Será porque falar ameaça no hálito tão ténue
a flor lindíssima que o menor sopro mata?
Falando todavia, tudo se suspende;
E que não existe para sempre mesmo depois das palavras?

Cidade ensolarada, fumegante a meus pés:
telhados, vozes, pombas, trepadeiras…
De longe se não vê que toda a gente luta,
se devora e desvairadamente contempla
que a sua flor, lindíssima, resista.

Como, poesia, quando suspenso o tempo,
se cadencia em passos de palavras,
Quando a memória, a angústia, a esperança, a própria vida,
se ordenam em cortejo e vêm passando em frente
do olhar que as bebe, de um tremor, de um pranto,
como não dizes também da flor que defendemos?
Será que não é difícil, que não é esquiva,
uma flor que um gesto, o mesmo amor destrói?

Ah fidelidade, coisa humilde, coisa que não basta,
coisa que não vive, como te chamo flor?
O Sol e o ar sobre a cidade passam.
Do alto as pombas na cidade pousam.
Como te chamo flor?
Como até nisto eu posso atraiçoar-te?

Jorge de Sena