Pedem à mulher que se sente
e sossegue o fogo dos gestos,
pedem-lhe que ilumine a noite
que há no seu corpo. Pedem.
E ela morde os lábios,
um não, o grito.
Pedem à mulher que se cale
e que não escreva a loucura
que traz nas mãos, o tropel
que avança no seu ventre. Pedem.
E pedem-lhe que siga,
que deixe de ler as estrelas
quando ela já nada pode. Pedem.
Pedem-lhe que deixe de amar a madrugada
e que não acredite na liberdade.
Não existe, dizem.
Mas a mulher traz a ferocidade nos pulsos,
não dorme e vela a noite como um lobo,
aperta os lábios, não chora,
dança, nua e descalça, sobre o fogo das palavras,
não teme a escuridão nem as feras
que descem da montanha para a ver.
A mulher conhece o som
do coração da terra,
escuta a fala das árvores, o salto do tigre.
E ela sabe que só a dança
salva o grito. Luta.
O corpo desarmado e nu,
o canto selvagem
que nasce de si,
na desvairada recusa. Dança.

Maria João Cantinho