Por falta de energia, no rasto
Da doença, nos últimos anos
Poupei-me, mas eis-me de volta
À linha de partida: todo o dizer
Verdadeiro é um dissídio.
Lá fora, rajadas de vento
Fustigam-nos – um ciclone
Desceu sobre os ombros
Da cidade, despenteia-a,
Dobra os ramos das acácias,
Penetra no forro do telhado
De zinco do alpendre que abriga
A esplanada em que saboreio
Um café sem açúcar (é
Como se ingerisse o bico
De um lápis) e faz-me ouvir
Os martelos de Pitágoras.
Nunca desfalece a energia
Na natureza, nunca refreia
E devemos imitar-lhe o ímpeto,
Denunciar como desconfiamos
Do presente e que embora
A vocação seja um borrão
É o momento de agir,
De abraçar o desengano.
Nestes dias de tristeza sociológica
(Parece que nos povos exibir
O corno é o mais premente,
Necessitam de regredir
Pra se acreditarem domésticos)
Entretive-me com o celta Kenneth
White, o das alvas montanhas
Escarpadas, sobressaindo
Como volutas no nevoeiro.
O Ken é tão brilhante na teoria
Como às vezes coxo no verso,
Enumerativo e sequencial,
Mais do que arquitectónico,
Mas é alimento seguro
Para estes dias de uma estúrdia
Incapaz de reconhecer-se até
Na simples arte de fazer compotas.
Também os romanos destilavam
O azeite de quarenta maneiras
Antes de colapsarem
E desse saber ser esquecido
Por mais de dois mil anos.
A lição que doravante convém
Lembrar, incansavelmente,
Nesta época de pavorosas
Correntes de um vento malsão
Que a História e o próprio modo
Civilizacional arrastam: tudo
O que está vivo sempre
Nos perturba e o que magoa
Não está na dor, mas
Na exigência de a atravessarmos.

António Cabrita