“Poética”, disse ele, pousando o copo.
Posso não acreditar em nada, nem seguir
o barulho regular dos relógios, continuou
no mesmo tom de voz: a minha vida
aproxima-se do ideal poético superior.
Abriu a janela e recebeu na cara os ventos
do norte. Nada o impedia, agora,
do encontro com a solidão irremediável.
Pousou a bebida no parapeito, agarrou
com a mão direita um ramo de árvore e,
com a mão esquerda fechada no ar, disse
em voz alta: “Poética”, para que todos
ouvissem. No entanto, ao dar-se conta
de que estava só, em plena madrugada,
fechou a janela, fechou o livro que começara
a ler, na véspera, fechou a luz
– e à claridade baça e fria do inverno
sentou-se no chão de madeira, a pensar,
como se não houvesse mais ninguém
naquele mundo.

Nuno Júdice