quero dizer
águas simples iluminadas
que expressam
a extensão da vida toda

não fosse eu alguém
igual a tantos outros
mas fosse eu quem fui
o anjo de pedra ou líquido
o nascimento e a decomposição não me teriam tocado
a estrada do abandono à comunhão
a estrada pedras pedras bichos bichos aves aves
não estaria seria tão suja
quanto hoje se vê nos meus poemas
que são visões aleatórias daquela estrada

nesta era aquilo que sempre se chamou de
beleza o rosto da beleza se queimou
ela não mais consola os homens
consola as larvas os répteis os ratos
mas assusta a humanidade
e a move com o senso
de ser uma migalha de pão sobre as saias do universo

não mais apenas mau
o golpe fatal nos faz rebeldes ou humildes
mas também bom
o abraço nos deixa tateando desesperados
no espaço

e assim voltei-me para a língua
e toda a sua beleza
lá ouvi que ela nada tinha de mais humano
que os defeitos de fala da sombra
que aqueles do sol ensurdecedor

Lucebert