Fui criança, indo por um carreiro
a caminho do mar, mão na outra mão,
entre árvores, pedras, insectos e aves.
Toda a Natureza me coube nas pupilas,
mestra de sentimentos, e eu discípula.
E, se fechava os olhos, ela punia-me
com o silencio cruel das ondas,
a mudez imerecida dos insectos,
e a distância das aves, que doía.
Se os abria, tudo me rodeava,
Apaziguado e meu,
mas a mão que me trazia a mão
puxava-me para a luz de cada dia.
Na casa antiga, cada um de nós levava
consigo um candeeiro, com que arrastava
o seu duplo de penumbra e de sombra.
A chama de petróleo ardia junto à boca,
podíamos devorar a própria luz.
Chamas nos queimavam as entranhas
e em archotes vivos nos tornaram,
vagueando por corredores e por escadas
atrás do Outro, que nada nos dizia.
«Como se explica, Hípias, que os antigos sábios
todos se tenham afastado dos negócios públicos?»
perguntei, porque também eu calei
a minha voz pública de outrora. Cidade,
perdoa-me a ausência e o rancor,
perdoa que a minha voz agora
não nomeie os teus cais de embarque,
a dor, miséria e cúpida opressão.
Ainda amo, neste exílio de paz, a mesma Paz.

Fiama Hasse Pais Brandão