Olho pela janela para me desviar de um pensamento
mas não vejo bem o que vejo
porque sei que vou voltar a outro pensamento
de que igualmente procurarei desviar-me
Se não posso ver bem o que está para além da janela
poderei em contrapartida escrever as palavras simples
que me confortem e dêem a segurança
para viver mais um dia em lenta identidade
E vão perguntar Por que será que os meus passos
são um movimento de cinza? Será que a cinza
poderá ter o ritmo do fogo?
O corpo quer viver porque o desejo sob a cinza é uma chama verde
e tudo deveria concorrer para que ela se elevasse
com a irrefutável afirmação do ser
Mas existir é ir longe de mais
e cair no fosso que fica aquém do crânio
O desejo levanta-se e procura enlaçar as ancas flutuantes
de uma mulher nua numa ilha selvagem
onde toda a violência se transformou no murmúrio ou no sorriso
do encontro verdadeiramente original

António Ramos Rosa