Escutar é uma atitude que se escolhe. Podemos escutar com os ouvidos, os olhos, os dedos, com tudo o que temos para dar. E podemos nada escutar, mesmo com os ouvidos.
Escutar é um deixar as coisas chegarem à costa que podemos ser para as coisas do mundo. Até a ler podemos escutar, deixar as palavras reverberar, dar-lhes tempo para produzirem os seus efeitos, ou, tudo ao contrário, podemos extrair o que queremos em leitura eficiente e rápida, para validar uma ideia, um facto, um argumento. Ler a escutar não é capturar e dar por adquirido o sentido, mas deixar-se afectar, as palavras como um seixo lançado à superfície de um rio e quem lê assim ser essa superfície, tocada como um silêncio quebrado.
Se o silêncio é possibilidade de escuta não é porque fosse um vazio que ficasse depois de retiradas as palavras, mas um começo, o nascer do tempo a cada instante, a preparação para ressentir o que chegar e acontecer. Por isso, o silêncio, à semelhança da escuta, é uma disponibilidade, que não diz mais respeito ao ouvir do que a qualquer outro sentido. Também a vista pode fazer-se silêncio diante de uma paisagem para que ver seja uma escuta de luz e cores.
Do silêncio II
Publicado em 2 de Dezembro de 2024