Não é inútil amarmo-nos,
finalmente.
Tal como amestrar serpentes, exige de nós
técnica refinada e a lata
de actuar frente ao mundo de tanga
− nervos de aço.
Mas amar é também um ofício
saudável: a sua liturgia apazigua
o ócio que aliena – como Catulo sabia –
e perdeu as cidades mais felizes.
Sob a corda bamba dispõe – não peças
uma rede, pois tal não é possível – outra corda,
igual de frouxa, mas a última
tão inútil às vezes,
sob a qual mais nada resta.
E entreabre
janelas que te descomprimam a cólera
e mostrarão à tua noite
outras diferentes, e assim
possa o amor salvar-nos no fim do dia
do pior perigo que se conhece:
sermos apenas – e nada mais – nós próprios.
Por isso
agora que está tudo dito e feito e tenho
um coio no país da blasfémia,
agora que esta dor de emprenhar palavras
com a própria dor
me transferiu para lá dos limiares
do medo,
preciso do teu amor como analgésico;
vem sedar-me com os teus beijos de morfina,
põe os teus braços à volta da minha cintura,
ó minha tábua de salvação, não deixes que me afunde
no letal prumo da tristeza;
anda, traja-me de novo com a esperança –
mal me lembrava desta palavra –
ainda que me fique a fatiota tão grande como a uma criança
a camisa do pai;
vem administrar-me o esquecimento e o dom da inconsciência;
e proteger-me de mim – o meu pior e mais tenaz inimigo –
dar-me abrigo,
embora seja uma mentira –
porque tudo é mentira, mas
sabes torná-la piedosa –
e tapares-me os olhos
para me murmurares já passou, já passou, já passou
– mesmo que nada se passe, porque nada acontece –,
já passou,
passou,
já passou
já passou.
E se nada nos livra da morte,
ao menos que o amor nos salve da vida.

Javier Velaza, trad. António Cabrita