Onde radica a liberdade O tema da liberdade individual tem sido, ao longo do tempo, fonte de inspiração e objecto de reflexão para quem se ocupa, de modo mais holístico e "militante", das insondáveis profundezas da humana condição - os poetas e os filósofos. Em bom rigor, e esquecê-lo seria injustiça grave, tem também ocupado teólogos (mas estes são "filósofos especialistas"), juristas, sociólogos e outros estudiosos do que se convencionou chamar ciências humanas. Mas, como se calcula, não será exactamente disso que se vai alimentar este post, mas sim de uma simplicíssima constatação, quase diria decantação, de experiência feita. Sempre gostei da frase - atribuída a Péricles por Tucídides, creio que na sua obra "A Guerra do Peloponeso" - que, com clareza meridiana, estabelece a filiação da felicidade (a famosa eudaimonia ) na liberdade, sendo esta, por sua vez, fruto da coragem. A verdade comprovável desta construção é, do meu ponto de vista, de uma evidência deslumbrante. Traduzindo felicidade pelo equilíbrio entre as aspirações e a realidade, sem grandes equívocos decorrentes de optimismos forjados no cadinho do wishful thinking enganador, nem no amargo erro de paralaxe do pessimismo derrotista e desistente, teremos a liberdade de agir, de se conformar a si próprio, de ser, enfim, "teatro de uma inexpugnável autoridade" *, como a sua natural condição sine qua non. A coragem, precursora dessa mesma liberdade, autonomia existencial inteira, surge como "atrevimento" de solidão; essa é, de facto, a coragem necessária - a coragem para correr o risco de ficar só consigo mesmo, sem ruído, longe do fogo de vista, sem disfarce, tirando a máscara antes que fique colada à cara. Essa coragem é que permite distinguir o afecto (emoção positiva, mas sempre um valor de troca) do amor (sentimento pleno de aceitação do outro, sem depósito de expectativas, sem contar "os juros" do "investimento"). A felicidade, neste sentido, não é um estado de alma, uma deriva do romantismo, mas, bem ao contrário, uma construção, um modus vivendi assente na autonomia do sujeito e na sua capacidade de interacção total, em plena independência. E demora muito tempo a aprender. *Esta pequena frase, que me foi citada por quem me tem ensinado muito do que tenho prazer em saber, é do Mário Cesariny, mas o texto onde se encontra, um catálogo de uma exposição há muito ocorrida, não está disponível, pelo que não posso precisar melhor a citação. AmAtA --------