Os blogues vistos de um
Os blogues vistos de um canto no seu interior (ou As delícias do cosy corner)
Há diversas questões muito interessantes sobre este mundo dos blogues, mas duas serão, do meu ponto de vista, mais acutilantes: a primeira prende-se com a natureza do fenómeno (pergunta tipo: o que é? para que serve?); a segunda tem a ver com as consequências da sua utilização como registo mais ou menos pessoal (a privacidade ameaçada, digamos, para simplificar).
Quanto à natureza, pode dizer-se que se trata de um novo espaço comunicacional, um universo mediático não institucional, onde as pessoas (ou grupos de pessoas) podem exercer a liberdade de expressão (a propósito, este é o mais feliz de todos os nomes para um blog; parabéns ao J. M., por se ter adiantado), sem limite para a variação temática e linguística; no entanto, o blog serve também como uma espécie de correio electrónico alargado, onde uma pessoa (ou um elemento de um grupo) escreve para um destinatário (ou um conjunto de destinatários) identificado ou identificável. É esta possibilidade semi-intimista que torna o blog diferente de, por exemplo,uma coluna de opinião na imprensa (ao menos para quem o usa também nesta dimensão, e há muito quem o faça, num momento ou noutro).
Daqui decorre a questão da eventual quebra da privacidade, quer aconteça de modo consciente e voluntário, que suceda inadvertidamente. Este é um problema que só pode ser avaliado tendo em conta determinados parâmetros, como, por exemplo, onde começa exactamente a privacidade de cada um e, além disso, se esse é ou não um campo irrenunciável (por outras palavras, se cada um pode ou não prescindir de certa "quota" da sua privacidade, em prol da partilha de determinada experiência). Dou exemplos: quando o Abrupto escreve que está em Itália, no meio de bragadoccios e vaporettos, e descreve o vulcão Solfatara para a comunidade bloguista, estará ou não a abrir mão da sua privacidade em prol da comunicação?
Quando o Nuno diz qual é o seu soneto favorito de W. S. , quando eu escolho uma frase de Eliot para marcar uma ideia cara ao meu modus vivendi, and so on, é ou não uma "quebra" da privacidade? A meu ver, não é, ou ,a ser vista como tal, inviabiliza a comunicação que não seja estritamente fria, asséptica, científica, racional no pior dos sentidos.
É evidente que o limite é o da ética individual (e, espera-se, o de uma preocupação estética, ainda que, no domínio do gosto, seja muito difícil estabelecer linhas orientadoras - longe vão os tempos áureos dos "árbitros da elegância", e ainda bem).
Mas outros bloguistas irão, certamente, mover-se nestas águas com maior conhecimento de causa, tanto mais que ainda não li certo artigo do NY times sobre esta última matéria.
AmAtA
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Publicado em 20 de Maio de 2003