Se escreves, porque não escreves? (Mais inconfidências anunciadas) Não gosto do tempo cinzento, preciosa informação que permite detectar a usual e indisfarçável nota neurótica que, nem que seja por mera contaminação ou fruto mais que natural da usura do tempo, costuma acompanharos cidadãos ( e cidadãs) que chegam "a meio da vida" (a conhecida expressão é de Dante; o momento pode ser dantesco no mais pessimista dos sentidos, se não nos acautelarmos com uma provisão incomensurável de boas leituras, amigos com sentido de humor, música que fique a tocar em silêncio dentro de nós, um sem número de viagens motivantes em agenda e outros pequenos detalhes que dão o lastro necessário para não adornar demasiado na tempestas). É claro que escrever pode ser também um precioso auxiliar, complementar do exercício sádico que consiste em moer os ouvidos de quem tem a infausta função de ser nosso confidente, ou seja, pouco mais que escravo mudo sobre quem se derrama a abundante cornucópia das mais retóricas perguntas e dos menos originais desabafos. Mas escrever apenas en petit comité , sem nunca por nunca pensar em publicar; quem tenha a vil tentação, pode controlá-la com um pequeno e higiénico passeio pela FNAC mais próxima, onde se recomenda um olhar demorado sobre as horrendas capas dos "romances" em lusa prosa publicados pelas nossas autoras mais famosas (a garridice de uma contrasta com a melancolia da outra, o que é curioso): este esforço compensa, porque se percebe logo como o mundo já está servido de banalidade em doses generosas. O problema da escrita "feminina" destas autoras mais "ligeiras" é que o intimismo não é light nem pode ser tratado como tal; se isso sucede, não acrescenta coisa alguma à já vasta descrição do desacerto visto (e dos desacertos vividos), da rápida desagregação de um mundo que torna desadequados laços que se pressupunham duráveis, que torna impraticáveis projectos concebidos em passados recentes. Acresce, para bem da humanidade, que o transporte promissor para o mundo das palavras já existe, com certificado de garantia, e só perde tempo quem sofre de um incurável optimismo: P. Roth, H. Hesse. T. Mann, Naipaul, Coetzee, S. Bellow, Murdoch; e Borges, Pessoa, Pound, Eliot, V. Woolf. ; e Sophia, Eugénio, Sá de Miranda, Camões. Pensando em tudo isto, percebe-se que "escritores" anunciados não consigam vencer o medo do fracasso mais que provável. Se calhar, é a última réstea de bom senso, ainda mais aconselhável quando o próprio registo em crónica semanal decai sem dó nem piedade. E quando se pratica a arrogância, pior, muito pior. AmAtA --------