Sobre o FSP e
Sobre o FSP e o problema da esquerda alternativa
(notas soltas)
Para quem não se reveja numa "arrumação" do mundo numa perspectiva de direita, seja liberal ou conservadora (uso estas designações no seu sentido mais corrente, a bem da simplificação, podendo ilustrar a primeira com o tipo de pensamento comum nos partidos representados no PE através do PPE, por exemplo, e a segunda com a cartilha política correspondente ao Partido Republicano, nos EUA), é fácil de entender a vontade de procurar uma forma "reorganizada" de perspectivar o mundo a uma outra luz. Contestar a globalização não será, penso, uma atitude reveladora de grande inteligência analítica, mas procurar direccionar de outro modo algumas políticas, sobretudo sociais, renovar os sistemas tributários ou ter em atenção a protecção efectiva dos direitos fundamentais parece-me fazer sentido.
Em Portugal, a procura de um programa político alternativo à esquerda conceptualizada e contida no Partido Comunista é uma evidência enquanto necessidade social. O PCP é uma estrutura velha, implodida, perdida no mundo e para o mundo, pelo menos desde 1991 (porque antes o seu carácter estalinista estava em consonância com uma parte significativa do mundo, e só por isso, não porque fosse melhor do que é hoje); a insistência em atitudes rígidas de fechamento ao mundo real tem dado origem à saída, em vagas sucessivas , de pessoas capazes de pensar, cansadas de uma dureza interna verdadeiramente sentida como claustrofóbica. Ficam sobretudo os mais velhos, que deram grande parte das suas vidas por uma causa que não suportam abandonar agora, porque seria uma solidão demasiado dolorosa e uma perda de sentido para muitas e pessoalíssimas escolhas feitas no passado, que determinaram sacrifícios, afastamentos, perdas, rupturas. Os renovadores, por outro lado, não podem renovar nada.Aquela estrutura não aguenta torções ou reconfigurações; podem, sim, dar origema nova e definitiva cisão, e à eventual criação de um novo partido que fique próximo do que era o ideário do Parido Socialista em 1973.
O Partido Socialista que, antes do registo católico e conservador introduzido por António Guterres, podia servir uma certa estratégia de centro esquerda (leia-se social democrata), alternativa face ao centro direita personificado pelos Governos do PSD de Cavaco Silva (e esse foi o sentido dado pela influência soarista ao longo de anos), tornou-se num corpus político sem referências certas, oscilando entre os erros , os excessos e as hesitações da direcção Ferro Rodrigues, as farpas de Manuel Maria Carrilho (que tem formação e talvez, a seu tempo, consiga dominar a informação) e o que resta da estrutura do pré 25 de Abril, representada pelo poeta Manuel Alegre, cada vez mais uma excrescência ideológica no seu próprio Partido. A aquisição recente de Ana Gomes não veio, a meu ver, melhorar nada o quadro, porque não é de tempestas que vive a acção política produtiva - ela deve ser resultado de reflexão, ponderação, consistência e firmeza, tal como deve ter por objecto a realização de um programa claro, com propostas alternativas que os cidadãos possam conhecer, apreciar e sufragar (ou não).
Existe, é certo, a amálgama denominada Bloco de Esquerda, que agrupa algumas pessoas sérias do ponto de vista intelectual (de sólida formação nas suas áreas científicas, como Fernando Rosas ou Francisco Louçã), pessoas simpáticas e com intervenção mediática estruturada, de que é exemplo notório o bloguista José Mário Silva, pessoas que se destacam pela vitalidade e imagem (Joana Amaral Dias, obviuosly). Mas isso não dá constância de base a um projecto; pelo contrário, serviu um pragmatismo eleitoral (e serviu-o bem), e sobretudo porque, da tal esquerda em busca de referente, houve quem se sentissse motivado a apostar nesta força diferente dos dois partidos acima referidos.
Mas um projecto de esquerda tem que ser hoje pensado dentro da realidade, ou seja, dentro da economia de mercado mundializado, e não com ilusões utópicas contra ela; o que tem que ser combatido são os efeitos negativos desse modelo de organização económica, equilibrando a iniciativa privada e a propriedade privada dos meios de produção com um apoio real à coexistência de propriedade cooperativa em empresas de pequena e média dimensão, à animação de zonas fora dos grandes centros urbanos através de políticas de apoio a actividades tradicionais (ou construção de clusters agrícolas especializados , ou de indústrias artesanais), com políticas ecológicas estimulando a capacidade de envolvimento das populações, só para dar alguns exemplos. E não esquecer que um Estado demissionário, de índole liberal, fica desprovido de instrumentos que lhe permitam ao menos minorar as crises cíclicas do capitalismo, e, se formos optimistas, até mesmo conseguir evitá-las através de uma regulação económica e social eficaz.
Esse deve ser o projecto de uma esquerda pensante que queira passar a uma prática eficaz: num quadro sólido e indiscutível de democracia parlamentar, oferecer aos cidadãos eleitores um programa de organização económica e social alternativo pela forma como trata os interesses das pessoas e se propõe realizar plenamente os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (em particular os de natureza económica e social), permitindo gerar maior equilíbrio interno, sem pretender uma "destruição criadora" que apenas assenta nos extremismos delirantes de terra queimada e muito pouco ou nada contem de realista e constrututivo.
AmAtA
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Publicado em 15 de Junho de 2003