Conforto Quem me dá o
Conforto
Quem me dá o norte, ponto cardeal para o movimento completado pela gravitas da constância, ensinou-me que se deve procurar sempre a explicação mais simples para tudo o que acontece; não só é uma máxima útil para o meu modus vivendi, reprimindo a natural tendência barroca para volteios sem fim e excessos de imaginação criadora, como, ainda por cima e na esmagadora maioria dos casos, é a pura verdade.
E, da mesma forma, basta um olhar, bastam as palavras mais simples ditas em poucos segundos, para abrir a porta do essencial. Para além do que se vive e fica na memória como um filme que revisitamos vezes sem conta, há sobre isto, com imenso rigor, um poema do Eugénio, que explica tudo...
...Da maneira mais simples
É apenas o começo. Só depois dói,
e se lhe dá nome.
Às vezes chamam-lhe paixão. Que pode
acontecer da maneira mais simples:
umas gotas de chuva no cabelo.
Aproximas a mão, os dedos
desatam a arder inesperadamente,
recuas de medo. Aqueles cabelos,
as suas gotas de água são o começo,
apenas o começo. Antes
do fim terás de pegar no fogo
e fazeres do inverno
a mais ardente de todas as estações.
Eugénio de Andrade, in Os sulcos da sede
Ana Roque
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Publicado em 29 de Agosto de 2003