Ser-se quem se é Não
Ser-se quem se é
Não são só as pessoas que precisam de reconhecer-se, desenhar com passos mais ou menos firmes o seu lugar no mundo, orientadas pela bússola infalível do seu esforço, do empenho em prosseguir o seu desenvolvimento a todos os níveis: intelectual, moral, existencial. Global, em suma.
Também os países, os estados e as nações que os integram e constituem a sua base, a sua solidez interior, necessitam de desenvolver as virtualidades que o tempo de história lhes permitiu acumular, aplicando em novos projectos e atitudes criadoras o capital de experiência que deve consolidar uma cultura, uma auto-imagem e, acima de tudo, uma vontade de viver plenamente num mundo em mutação permanente.
Portugal não está mal por ter um deficit nas contas públicas, por ser uma economia aberta e sem defesa face a qualquer crise do universo onde se insere ( União Europeia) ou em virtude das perversidades extensivas da globalização: as suas desvantagens crescentes são o resultado inevitável da falta de visão, não apenas do Estado, das instituições ou das políticas públicas, mas sobretudo do conjunto dos cidadãos, indiferentes a um património colectivo (a língua, falada aqui, em África, no Brasil), a uma experiência ímpar de contacto que, se teve o desmerecimento da feição colonizadora, deixou a herança, quase intocada, dos laços e das referências comuns entre povos diferentes mas com proximidades possíveis. Portugal não entende a sua posição privilegiada, no seio da UE, de potencial interlocutor para as questões africanas (e o caso de Angola é talvez primordial, onde novos horizontes de desenvolvimento e expansão não tardarão a despontar) e para uma articulação eficaz com a imensidão do Brasil. É uma questão política, económica e social. Tema ver com responsabilidade, consciência clara das possibilidades, aproveitamento dinâmico dos recursos, capitalização dos activos, capacidade de iniciativa. É, acima de tudo, a diferença entre expansão e decadência.
Ana Roque
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Publicado em 17 de Agosto de 2003