Manual de sobrevivência II Saber abandonar as metáforas, as figuras de estilo usadas como biombo para deixar a alma um pouco mais a salvo, e dizer a quem se ama o que parece urgente; não carregar culpa de estar vivo, e não deixar que alguém a suporte por nós; forrar o caminho de estrelas durante os momentos em que isso for possível, e saber pisá-lo com leve empenhamento quando nos é oferecido; saber munir-se de uma vasta provisão de beleza para alimentar a alma pelo tempo que a memória permitir, e pode ser muito. Não despir as roupagens maravilhosas penduradas nos olhos, até que pestanejar seja imperioso. Entender outras dores, outras vertigens, sem esquecer nunca que o amor não corta a liberdade do amado, ou então não é amor. Dar e guardar todos os tesouros que o tempo de visita ao corpo, pousado na alma, ofereceu. Acima de tudo, recordar, com rigor e recorrência de máxima intensidade, que o amor é possível, no meio do caos da improbabilidade. Essa luz, esse brilho, tende a aparecer disfarçado nos dias, sob a forma de jóia embrulhada num olhar, dentro da música insubstituível das palavras. --------