Visto do céu (ou de
Visto do céu
(ou de como o rio se faz ao mar)
Sem a luz única que os pequenos pássaros sem nome lhe traziam aos olhos, ela morreria sem nunca ter visto os barcos pousados no alto dos telhados. Por quanto tempo se recorda uma voz, pensou. Como se revive um cheiro sepultado no passado, quis ainda saber, temendo a morte parcial e inútil da alma. O que viveu a fundo escorreu para um recanto, um cofre sempre fechado como um segredo impossível. O que viveu a fundo, disse de novo, baixo, para ser ouvida somente muito longe, dentro dele. O que viveu com a novidade total do absoluto, no risco de morte iminente, limiar do fogo, sem medo da voracidade imparável do tempo que a tinha presa. O que viveu em horas de cristal puríssimo, horas líquidas, marcantes, marcadas, engolidas em espirais de fumo. Nunca soube as respostas.
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Publicado em 14 de Novembro de 2003