Para temperar a alma (ou
Para temperar a alma
(ou de como é urgente sair de todo o fogo)
O fogo que eu pensei fosse extinto
por tempo frio e por idade prisca,
chama e martírio na alma me corisca.
Nunca apagada foi, quanto eu ora veja,
mas meio oculta só chispa febril;
temo o segundo erro pior seja;
por lágrimas que espalho a mil e mil
convém que a dor por olhos se destil'
do coração, que tem centelha e isca
e mais do que antes a crescer faísca.
Não tinham gasto e morto qualquer fogo
as ondas que os meus olhos sempre vertem?
Amor, mas tarde eu percebi seu jogo,
dos dois contrários quer me desacertem;
e arma laços tão vários que me apertem,
que quanto mais livre o peito arrisca
mais nesse belo rosto então me envisca.
Francesco Petrarca (1304-1374), in As Rimas de Petrarca, trad. de Vasco Graça Moura, ed. Bertrand, 2003.
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Publicado em 2 de Dezembro de 2003