Vã sabedoria (ou da inutilidade de negras constatações) Burnt Norton O tempo presente e o tempo passado Estão ambos talvez presentes no tempo futuro, E o tempo futuro contido no tempo passado. Se todo o tempo é eternamente presente Todo o tempo é irredimível. O que podia ter sido é uma abstracção Permanecendo possibilidade perpétua Apenas num mundo de especulação. O que podia ter sido e o que foi Tendem para um só fim, que é sempre presente. Ecoam passos na memória Ao longo do corredor que não seguimos Em direcção à porta que nunca abrimos Para o roseiral. As minhas palavres ecoam Assim, no teu espírito. (...) Vai, vai, vai, disse a ave: o género humano Não pode suportar muita realidade. O tempo passado e o tempo futuro O que podia ter sido e o que foi Tendem para um só fim, que é sempre presente. (...) Não haveria dança, e há só a dança. Eu apenas posso dizer, estivemos ali: mas não posso dizer onde. E não posso dizer por quanto tempo, pois seria situar isso no tempo. A liberdade interior do desejo prático, A libertação de acção e sofrimento, libertação da compulsão Interior e exterior, e no entanto tendo à volta Uma graça de sentido, uma luz branca em repouso e em movimento, (...) O tempo passado e o tempo futuro Apenas concedem um pouco de consciência. Estar consciente é não estar no tempo Mas apenas no tempo podem o momento no roseiral, O momento no caramanchel onde a chuva batia, O momento na igreja desabrigada ao entardecer Ser lembrados; envolvidos em passado e futuro. Apenas pelo tempo o tempo é conquistado. (...) Desce mais, desce apenas Ao mundo da solidão perpétua, Mundo não mundo, mas aquilo que não é mundo, Escuridão interna, privação E destituição de toda a propriedade, Dissecação do mundo do sentido, Evacuação do mundo da fantasia, Inoperância do mundo do espírito; Este é um dos caminhos, e o outro É o mesmo, não em movimento Mas abstenção de movimento; enquanto o mundo se move Em apetência, nos seus caminhos metalizados Do tempo passado e do tempo futuro. (...) As palavras movem-se, a música move-se Apenas no tempo; mas o que apenas vive Apenas pode morrer. As palavras, depois de ditas, Alcançam o silêncio. Apenas pela forma, pelo molde, Podem as palavras ou a música alcançar O repouso, tal como uma jarra chinesa ainda Se move perpetuamente no seu repouso. Não o repouso do violino, enquanto a nota dura, Não isso apenas, mas a coexistência, Ou digamos que o fim precede o princípio, E que o fim e o princípio estiveram sempre ali Antes do princípio e depois do fim. E tudo é sempre agora. As palavras deformam-se, Estalam e quebram-se por vezes, sob o fardo, Sob a tensão, escorregam, deslizam, perecem, Definham com imprecisão, não se mantêm, Não ficam em repouso. Vozes estridentes Ralhando, troçando, ou apenas tagarelando, Assaltam-nas sempre. O Verbo no deserto É muito atacado por vozes de tentação, A sombra que chora na dança funérea, O clamoroso lamento da quimera desconsolada. (...) Ridículo o triste tempo inútil Que se estende antes e depois. T.S. Elliot, in Quatro Quartetos, trad. de Maria Amélia Neto, EDIÇÕES ÁTICA, 1983. --------