Se me perguntassem, e quanto mais não fosse tendo em conta o que dispõe a Constituição da República Portuguesa, diria que Portugal é um Estado de direito democrático, com um regime republicano e laico. Laico, repito. Com plena liberdade de pensamento, o que naturalmente inclui e valoriza a liberdade religiosa, conquista fundamental enquanto direito humano de primeira geração. Mas estava equivocada: morre uma freira que a Igreja católica usou como instrumento de uma das suas (bem conseguidas, aliás) construções imagéticas e os partidos políticos mais representativos suspendem actividades de campanha, ou seja, interrompem a vida cívica normal, devido a esse facto que nada tem a ver com a dimensão em que, supostamente, se movimentam - o espaço da res publica, do livre exercício da cidadania. A Igreja católica tem um poder inacreditável e é um equívoco pensar que há uma separação efectiva entre o Estado e essa instituição (ainda) dominadora. O dia de luto nacional vem dar uma dimensão ainda mais esotérica a todo este episódio de confusão entre a fé de alguns e o Estado de todos. A Constituição é assim tão distante da realidade, letra quase morta? Parece, cada vez mais, que sim. E é pena.