Escrevo-te com o fogo e a água. Escrevo-te no sossego feliz das folhas e das sombras. Escrevo-te quando o saber é sabor, quando tudo é surpresa. Vejo o rosto escuro da terra em confins indolentes. Estou perto e estou longe num planeta imenso e verde. O que procuro é um coração pequeno, um animal perfeito e suave. Um fruto repousado, uma forma que não nasceu, um torso ensanguentado, uma pergunta que não ouvi no inanimado, um arabesco talvez de mágica leveza. Quem ignora o sulco entre a sombra e a espuma? Apaga-se um planeta, acende-se uma árvore. As colinas inclinam-se na embriaguez dos barcos. O vento abriu-me os olhos, vi a folhagem do céu, o grande sopro imóvel da primavera efémera. António Ramos Rosa