Nunca fora mulher de "conta, peso e medida". Dar e exigir, ter e procurar, interrogar e esgrimir, tudo lhe tinha sido habitual e bastas vezes desmedido. Sabia do perigo iminente dos excessos de palavras que se enrodilhavam na noite e agiam como molas propulsoras da infelicidade. Conhecia bem o sabor salgado que vinha do desespero, maré cheia de descontentamento consigo ou com outrem. Tinha visto como as luzes ingratas e falsas da ribalta se acendem a iluminar cabeças perdidas, com a voracidade que ataca a horas mortas. Adivinhava com notável nitidez a fronteira do declive por onde as almas rolam sem precisarem de mais nada além da inércia morta da tristeza, ainda que momentânea. Mas ainda não tinha aprendido os perigos da abdicação emexcesso - nada sabia da mansíssima vingança da alma contra a generosidade cega, que a negligencia. Se calhar, viver é sempre letal, pensou desconcertada.