Duas partidas
Eugénio de Andrade é um poeta. É, será sempre, um poeta maior - as suas palavras iluminam, alimentam, espraiam. A luz da sua cidade bate nos olhos de quem o lê, o rumor do rio indomável a correr para um mar tão frio, tão sobranceiro, soa mesmo à indizível distância. A mão já não escreve outras palavras. A perfeição das que desenhou pertence por inteiro a esta língua que nos reveste.
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A liberdade não esteve sempre aqui, como agora, que nem se dá por ela, de tão (re)conhecida. A liberdade custou vidas, vidas inteiras, formas de sacrificar o pessoal ao colectivo, de sacrificar o interesse próprio ao que se acreditava ser melhor para a humanidade toda. Foram cometidos erros de perspectiva, é sabido, mas não é isso que agora importa. Álvaro Cunhal, e tantos outros que por ínvias razões tive a sorte de conhecer, foram abnegados até ao limite. Somos devedores de meses, anos, de privações várias, desde o encarceramento à pura e simples negação de uma vida familiar e pessoal tranquila e normal - aquilo que temos por garantido, e que eles poderiam ter tido, não fôra a força das convicções que os animava. Nem sempre é fácil saber isto hoje, saber sem ter olhado nos olhos quem se sacrificou e não se lamentou nunca. Houve "fraquezas dos camaradas"? Naturalmente que sim. Como se prova para além de qualquer dúvida razoável, todos somos só humanos.
Publicado em 13 de Junho de 2005