Acendi um cigarro. Onde iria jantar? Não me apetecia comer. Apetecia-me fugir. Para onde e porquê? E, de repente, ouvi dentro da minha cabeça uma frase: «Sinais de fogo as almas se despedem, tranquilas e caladas, destas cinzas frias». Olhei em volta. De onde viera aquilo? Quem me dissera aquilo? Que sentido tinha aquela frase? Tentei repeti-la para mim mesmo: «Sinais de fogo...». Mas esquecera-me do resto. Com esforço, reconstituía a sequência: «Sinais de fogo os homens se despedem, exaustos e espantados, quando a noite da morte desce fria sobre o mar». (...) Era absurdo. Eu fazendo versos? Porquê? Amarrotei o papel e deitei-o fora. Mal amarrotado, ele foi descendo num voo balanceante, até que pousou numa rocha. Aí, vacilou, aquietou-se, e, numa reviravolta súbita, deixou-se cair para o meio das pedras e sumiu. Era quase noite escura. Voltei para a cidade. Jorge de Sena, in Sinais de fogo, ed. Público.