Ser algoz é uma dor maior do que ser vítima, essa cama confortável onde se pode, em sossego relativo, "ser a pior inimiga de si própria", mas não de outrém. Como alguém me disse ao longo de uma década árida e seca, há circunstâncias em que só não conseguimos proteger quem amamos de nós próprios - das insuficiências, das marcas, das memórias, das dores crónicas recorrentes, reavivadas ao menor vislumbre de gestos repetitivos, das idiosincrasias. Mas sofrer a infelicidade na pele é um privilégio quando comparado com assistir à destruição de quem amamos, às nossas brutais, inábeis mãos, sujas das marcas em sangue apodrecido de umpassado indelével. Assistir à morte da esperança que vimos florir naquele olhar que agora nos evita é queimar a alma em fogo lento.