A quem?
Eu amava as árvores, a rua deserta em que descansava
o sol da tarde, o frio que arrefecia o meu corpo.
À janela da casa olhava lá para fora. Nenhuma
paixão pelo que é humano perturbava,
durante esse instante de silêncio, a paz
do meu espírito. Flores amarelas na erva
que crescia entre a estrada e a residência. De uma
árvore caíam, lânguidos, os ramos e no seu
verde brilhavam espigas vermelhas. Era sábado,
talvez. A poesia era-me inacessível. As palavras
pesavam no papel e no espírito como erros de cálculo,
como um excesso e prova, inesperadamente,
do desajuste. A quem dirigir uma súplica ou uma carta
em que, não falando de amor, se revelaria o maior amor?
A quem? Incapaz de responder e de me atormentar,
eu deixava passar os minutos. Depois levantava-me
da cadeira em que estivera sentado e ia àquilo
a que eu chamava a minha vida, o meu destino.
João Camilo
Publicado em 12 de Março de 2006