Sempre o rosto da amada é transparente, por ele passa o mundo, passa gente, vão, por si sós, desde a boca do Verão aos cabelos do Inverno as árvores mais claras e as mais fortes. Sempre o rosto da amada é infinito, uma escada que sobe como um grito e nunca pára, suspenso entre o dia e a noite, no violento espaço que ocupam duas mãos, todos os frutos, os peixes que navegam com o sol, os dragões soltos pela Primavera e mesmo o filho que um dia partiu e volta agora, todo o corpo mordido pelas vorazes pulgas da miséria. Sempre o rosto da amada é solidário ao tempo e, rico e vário, vai do vermelho ao rosa, repousa no azul, salta no mar. É varado de balas na Bolívia, bombardeado no Vietname, feito radiografia no Biafra. Fiel é no entanto o rosto à vida e tanto que palpita, ri e chora. Sempre o rosto da amada é evidente. Resta o rosto da amada, o resto é no seu rosto que se sente. António Rebordão Navarro