Para onde foi o amor, anuncia a rádio, com a Bette Davis, num cinema de subúrbio, e também eu pergunto, inutilmente te pergunto, para onde - se alguma vez, entre nós, realidade teve. lndomada a solidão firma as suas raízes e, canção que vem com o vento, irmana-nos no ódio. Porque podem o cavalo e a serpente dois anos conviver que nem por isso há-de ter neles morada a ternura, a noite guardará os seus relances de insónia e destruição. "Quand vous serez bien vieille", escreveu Ronsard, e Henry Cristophe suicidou-se com uma bala de prata, formoso e absurdo gesto: palavras que só a Beleza selará. Nunca a mesquinhez ou o engano serão vencidos pela idade, nem prevalecerá a prata sobre o sangue no desesperado estertor final. Para onde foi o amor, oh tu, que sempre amaste, donzela pura confiada às presas da fera. E dias deixaste passar, e horas transparentes, onde cada sílaba exumou o seu peso de verdade. Ilusório domínio da tua vida, não quiseste então, nem uma só vez o quiseste, o tutano último das palavras, o que nu e virgem se levantava entre elas. Mais cómodo e alegre foi aprender aquilo que fácil se oferecia com valor bastante para ser leiloado numa festa. Triste é ser juiz e mais ainda ser verdugo. Como um cego, agora, vagueio ria memória tacteio os frágeis muros onde a sombra derramaste, esbarrando na tua lembrança, mesmo à beira do que já não existe, infantil e torpe. Treme nas minhas mãos um punhal. Para onde foi o amor. Eis as palavras para uma despedida. Juan Luis Panero