Nesse tempo ainda as raparigas não tinham sido inventadas. Éramos só nós, o bando dos andróginos, a correr atrás dos gatos. Amoras e ameixas acenavam-nos atrás de gradeados. Quem mijava a cinco metros empunhava o caduceu. A ordem natural era seguida com feroz habilidade. Nenhum de nós sabia o decálogo de cor. À força e ao arrojo chamávamos humano. Entrávamos em Tróia de joelhos esfolados. E uma pedra, bem lançada, valia um argumento. O pior que nos podia acontecer era sermos exilados, condenados a brincar ao invisível com a raça das escuras raparigas, aprender a passajar o verso heróico. Só mais tarde o gineceu saiu à rua; trazendo laçarotes, mandamentos, aromas esquisitos. Mas isso, já se sabe, é outra história. José Miguel Silva