Aquele Que Passa
(gentileza de Amélia Pais)
O desconhecido que passa e te acha ainda digna de uma fugidia palavra de desejo,
Talvez porque na sombra da noite tão doce de Maio
Ainda resplendem teus olhos, ainda tem vinte anos a ligeira figura
deslizante,
Não sabe que foste amada, por aquele que amaste amada, em plena e soberba
delícia de amor,
E em ti não há membro nem ponta de carne ou átomo de alma que não tenha uma
marca de amor.
Que tu viveste apenas para amar aquele que te amava,
E nem que quisesses podias arrancar de ti essa veste que o amor teceu.
Ele, ignaro, em ti já não bela, em ti já não jovem, saúda a graça do deus:
Respira, passando, em ti já não bela, em ti já não jovem, o aroma precioso
do deus:
Só porque o levas contigo, doce relíquia à sombra de um sacrário.
Ada Negri (1870-1945), in Poesia do Século XX, trad. de Jorge de Sena.
Publicado em 17 de Junho de 2006