(gentileza de Amélia Pais) Todos os corpos, diz Espinosa, o polidor de lentes, nascem do atributo divino da extensão. Mas, deflagrada a ausência – que inerência se alega, irreparável? E da neve - para quê emudecer o mundo numa cor de si esquecida, que dá aos lugares um ar de corvos virados pelo avesso? Como se Deus, o indivisível, delapidasse em espuma a memória do mar, sem descortinar sereia onde o canto se abismasse. Reflectirá nisso o polidor, no dominical passeio de bicicleta, ao lado do cão, Março num esplendor inefável? Pode esta palavra – que é uma criança não baptizada - ser mais que a latência indevassável duma extensão? Enfio o talher no robalo, corro a lâmina ao longo da espinha. É óptima esta esplanada na praia - ao longe, no mar, os últimos pescadores lançam redes. E se precisamente naquele ponto, forem menos determinados os atributos divinos? Um cardume é uma extensão ou mil? Pode o suceder ser exterior à sua sorte, à malha a que escapa, ao lavor do verbo? A minha mulher pede-me o azeite. Adoro o seu modo de aspergir o peixe. Ter-lhe-ei já dito que à altura da queda do império romano havia quarenta maneiras de refinar o azeite? E chega-me numa lasca de peixe: se no amor o corpo é comum socorro talvez isso cilindre o demónio, na fragilidade que o afasta de Deus. O demónio vivo em cada um. Mas não pode o afecto ser a extensa ar- borescência que em Deus implanta o Mal? Arrepio-me. O riso dela interrompe-me, é um caudal que me desapropria ternamente de juízo. O riso, como a derradeira extensão? Que o polidor de lentes, no limbo, ou Grouxo Marx, no Olimpo, me respondam. António Cabrita