Minha fome é outra. Não aquela que abre um buraco negro no estômago - vazio invisível, que da boca algum alimento lácteo - via esôfago - cessa prontamente até a próxima angústia. Minha fome é outra. Não um simples estar-no-mundo, como disse Drummond - o universo para mim é pouco. Minha fome salta como louca, labareda intrépida num incêndio grandioso. Ela me devorará ainda que eu entregue os pontos; a eternidade é uma tosca linha de partida no horizonte, a cegar-me o olho. Sim, minha fome é outra - indigesta, não toca as iguarias da estalagem. Não tem nome, nem forma, nem nada. Apenas remove montanhas, ajudando-me a vencer o caminho penoso sem jamais perder de vista a paisagem. Flávio Villa-Lobos