Aqui a contiguidade com o silêncio toca seu extremo, sem apurar limites: os arcos mal se atrevem a inquietar as cordas, mas por vezes têm de transpor seu alheamento: umas arcadas atacam, estremecem e logo se arrependem e entregam seu cuidado a outra voz, que, se teme recebê-lo, o deixa em suspensão até sua plenitude ser arrebatada. Entre o cântico e a dança, uns instrumentos apontam a outros o caminho, retrocedem a resgatar um assunto antes somente sugerido, que exige partilhemos o seu voo. Voltadas umas para as outras, as propostas enlaçam-se e completam-se, aquietam-se na contemplação recíproca e ganham força para se degladiarem sem nenhuma vencer outra, despedirem-se de nós sem pronunciarem um sequer de nossos nomes, e impor que continuemos a aceitar, mesmo após se calarem, o seu poder pungente, que no sono se vai em nós insinuando, sem que se lhe rendam nossas pálpebras: impedem esse bálsamo sedante de nos enlear, vedar nossos ouvidos. O som apela tanto a quanto somos que não resistimos a um fundo de águas últimas. José Bento