Por circunstâncias que não devem vir ao caso, partilhei muitas manhãs com Irene Pimentel na Torre do Tombo, entre processos da PIDE, idas fugazes à cafetaria, diatribes cuidadosas com a responsável pelo serviço e trocas de olhares desesperados ante a demora do inenarrável (e assaz dispendioso) serviço de fotocópias. Durante o outono e o inverno de 1998 e até ao verão de 2000, a par da redacção final da minha tese de doutoramento, centrada num tema que me parecera interessante mas do qual já estava obviamente farta - as então novíssimas entidades administrativas independentes e as suas funções de regulação - um trabalho lateral mas bem mais apaixonante levou-me a estar próxima desta mulher que, metódica e organizada, seguia então uma linha bem definida para a sua investigação sobre as vidas de outras mulheres que se tinham oposto ao salazarismo. Aquele não era, obviamente, o meu mundo, mas foi certamente um espaço que habitei com empenho, interesse, imensa curiosidade e respeito por quem tinha tido a coragem de enfrentar um poder que sabia despótico. Ali, Irene Pimentel, quenão era uma leiga nem uma amadora, nunca se mostrou menos acessível ou arrogante pelo seu conhecimento - e o seu profissionalismo e rigor de historiadora são agora justamente premiados.