Boca da noite
A tarde é enevoada e indistinta.
(Muito enevoada, muito indistinta.)
Contudo há nela imagens,
(Contudo há nela vultos,
Que se agitam e brilham.
Sob a luz opaca,
Sob a luz difusa.)
Uma após outra vêm, e vão --
E não se sabe de onde,
Não se imagina para onde
Ou para quê:
Um velho
Chupando espinhas de peixe,
Um homem velho, um homem
Muito velho
Coberto de pó escuro
No fundo da minha mente
(Onde as palavras naufragam
E sobre elas se abate
Um sopro de lua gelada).
A lembrança agora
É apenas confusa
Agitação de entranhas.
E assim como o vento
Passa debaixo da porta,
Pelo caixilho da janela,
(Entre os vidros, levantando
Uma quase invisível poeira)
Assim o corpo respira,
Aqui e ali suspeita,
Imagina ou entrevê:
O que pode ser falado
Ainda não é o que devia
Ser pensado.
Paulo Franchetti
Publicado em 29 de Janeiro de 2008