A casa gira nas mãos dos livros e abate-se, sobre as estantes, destruindo as lombadas, em busca dos títulos e dos nomes dos autores, avançando, no devorar das badanas, e das promessas aladas dos índices, da ficha técnica e da sinopse ondulante, navegando encorpada nas contra-capas. É o estádio onde compete a biblioteca com a ansiedade profana do leitor. As palavras transvestem-se de árbitro e penalizam a tranquilidade do saber, atiçando a táctica para o capítulo seguinte, onde se derrama a trama, o mistério, a voz que dá sentido ao habitante do texto. Na revolução das prateleiras e dos cheiros, a tinta impressa, o papel amarelecido, o couro, a carneira das perdidas encadernações, tudo marca a saudade dos velhos sótãos, o silêncio dos contos, a magia dos poemas, o mar inesgotável dos infindáveis romances e a paz, trazida pela leitura, nesses instantes. José António Gonçalves