Voz do Vento
A canção que não crave
Na metade do peito
Como dardo flamígero
Um estremecimento
Deixa que se disperse
Na escapada de um vôo
Como pássaro errante
Que se mira à distância –
Deixa que se dissipe
Sem o vibrar de um eco
Na neblina, na sombra
E no silêncio.
No fundo da alma existe
Um lago de polidos
Cristais, que se assemelha
A um misterioso espelho.
Na quietude do lago,
O milagroso verso,
Qual davídica funda,
Lança o tiro certeiro,
E se agitam as águas
Em círculos concêntricos,
E mostram-se um instante
Vindas do fundo seio
Todas as velhas coisas
Guardadas pelo tempo:
Ânsias, choros, sorrisos
E lembranças.
Deixa ao cantar fecundo
O espírito aberto;
Quebre as límpidas ondas
O seixo do fundeiro;
Mas a voz que não crave
Na metade do peito
Como dardo flamígero
Um estremecimento
Deixa que se disperse
Na escapada de um vôo,
Deixa que se dissipe
Sem o vibrar de um eco...
Dessa hora infecunda
Ante o passo sinistro
Em que a voz da alma é apenas
A inquieta voz do vento,
De tua morada íntima
Fecha todas as portas
E ouças não mais o ritmo
Do silêncio.
Enrique González Martínez, tradução Renato Suttana
Publicado em 8 de Fevereiro de 2008