A canção que não crave Na metade do peito Como dardo flamígero Um estremecimento Deixa que se disperse Na escapada de um vôo Como pássaro errante Que se mira à distância – Deixa que se dissipe Sem o vibrar de um eco Na neblina, na sombra E no silêncio. No fundo da alma existe Um lago de polidos Cristais, que se assemelha A um misterioso espelho. Na quietude do lago, O milagroso verso, Qual davídica funda, Lança o tiro certeiro, E se agitam as águas Em círculos concêntricos, E mostram-se um instante Vindas do fundo seio Todas as velhas coisas Guardadas pelo tempo: Ânsias, choros, sorrisos E lembranças. Deixa ao cantar fecundo O espírito aberto; Quebre as límpidas ondas O seixo do fundeiro; Mas a voz que não crave Na metade do peito Como dardo flamígero Um estremecimento Deixa que se disperse Na escapada de um vôo, Deixa que se dissipe Sem o vibrar de um eco... Dessa hora infecunda Ante o passo sinistro Em que a voz da alma é apenas A inquieta voz do vento, De tua morada íntima Fecha todas as portas E ouças não mais o ritmo Do silêncio. Enrique González Martínez, tradução Renato Suttana