Qual das duas, a nua ou a vestida, contém a sua alma? Seguramente ambas percorreu poro a poro, afundou-se no seu peito, na suave cratera do ventre, na fenda gomosa que nenhum filho lhe deu e no bosquete, no acre perfume das axilas; beijou em ambas os olhos tremendamente inexplicáveis, o ponto equidistante dos lábios e sua delicada união, tocou-lhes na anca, nessa parte que nem a garupa do mais esbelto dos seus cavalos excedeu alguma vez e acariciou-lhes os joelhos, implorando, sem palavras, morrer entre eles. Se pudesse trocar de alma, a tua, Goya, escolheria. Felicidade da pintura: eis vivo, duplo, evidência cósmica, o que amaste e tu dentro delas, sangue, carnação, a luz distante, orgulhosa, dolorida de seus olhos. António Osório