Ela passava -cerimoniosamente- as páginas de um jornal -um jornal em espanhol, comprado em Victoria Station. Ele olhava pela janela para os últimos bairros, a cidade apagando-se por detrás, a precária luz de outono. Ela lia -minuciosamente- as páginas de necrologia, ele olhava agora o campo: cavalos e ovelhas, o vento nos ramos, paisagens de Constable. Ela comentava histórias de imprensa, os casos do dia, ele recordava uma criança atónita, em silêncio, -havia séculos-numa casa de Eaton Square. Noutro tempo, com outra mulher, a passagem do Tamisa na margem cinzenta. Passavam as páginas do jornal e passavam corpos e camas, uma mulher despida que se ria com hálito de vodka e tabaco. O comboio chegava ao seu destino e ela acabou a leitura. Debaixo do assento daquele comboio -entre Londres e Dover- ficaram abandonados um amarrotado jornal em desordem e cinquenta anos da vida de um homem. Juan Luís Panero, trad. de Joaquim Manuel Magalhães