Fragmento
(...)
assim prossegue caminho
aquele que não aprendeu a ler nos relógios
assim se esquece a vida na urgência dos pulsos
ele hesita recua pondera a situação
mas nenhum grito o detém
o crime de escrever fascina-o
a adolescência sumiu-se entre a noite e a alba
frágil fio de água suspenso na luz
lago minúsculo sedução do pólen
serenidade da pétala misturando-se ao estrume
misterioso rumor alquímico do ouro
a obra é construída na paciência do sangue
rubra cicratiz de tinta
insónia do sexo corpo em transumante vigília
morte dissolvida na cinza dos dias
a pouco e pouco
ele contrói um subterrâneo em vidro
gasta o tempo incomensurável da solidão
explora filões de preciosos minerais
avança até ao início remoto da água
toca a ferida pedra do coração da terra
dele crescem a desolação e a incerteza
dele irrompem a queda da voz e o voo das aves
a palavra ainda intacta e não cansada
mas de metáfora em metáfora
ficou adulto para sempre
o subterrâneo de vidro é um estilhaço
ficou-lhe a ilusão de nele ter vivido e sonhado
as horas sem ninguém sem paixão
enquanto todo o texto se cobre de ferrugem
e envelhece com ele
Al Berto
Publicado em 23 de Abril de 2008