(gentileza de Amélia Pais, no Dia Mundial do Livro de 2008) Há livros que lemos sentados num banquinho diante de uma carteira escolar. Há livros que lemos andando (e também por causa do formato); Uns são para as florestas e outros para outros campos, Et nobiscum rusticantur, diz Cícero. Alguns há que li na diligência; Outros, deitado no fundo dos celeiros de feno. Há os para fazer crer que temos uma alma; Outros, para desesperá-la. Há os em que se prova a existência de Deus; Outros, em que não se consegue fazê-lo. Há livros que não é possível admitir senão em bibliotecas particulares. Há os que receberam elogios de muitos críticos autorizados. Alguns há em que só se trata de apicultura, que certas pessoas acham algo especializados; noutros fala-se tanto da natureza que não vale mais a pena passear depois. Outros há que os homens sensatos desprezam mas que excitam as criancinhas. A alguns chamam antologias e neles incluíram tudo o que de melhor se disse a propósito de tudo. Há os que desejariam fazer-nos amar a vida; outros depois dos quais o autor suicidou-se. Alguns semeiam o ódio e colhem o que semearam. Alguns, quando os lemos, parecem brilhar, carregados de êxtase, deliciosos de humildade. Há os que amamos como irmãos mais puros e que viveram melhor do que nós. E os há impressos em caracteres extraordinários e que não compreendemos, mesmo depois de tê-los estudado muito. Ah! quando teremos queimado todos os livros, Nathanael! Alguns há que não valem um vintém furado, outros alcançam preços consideráveis. Alguns falam de reis e de rainhas e outros de gente muito pobre. Alguns há cujas palavras são mais suaves do que o ruído das folhas ao meio-dia. Foi um livro que João comeu em Patmos como um rato; mas eu prefiro as framboesas. Isso encheu-lhe as entranhas de amargura e ele teve depois muitas visões. Ah! quando teremos queimado todos os livros, Nathanael! André Gide