A luz e o sangue. A luz que é o céu do meu corpo e o sangue as manhãs em carne violenta que são a terra do meu céu. Boca de mitos. O céu e a terra. O céu que é a alma da terra ou a matéria eterna e a terra estrelas de sangue que são o corpo do céu ou o espírito efémero. O corpo e a alma. O corpo que é a terra da alma. A alma a carne azul e imortal que é o céu do corpo. Eu e ela. Eu que sou o mundo a substância transitória e ela que é a forma eterna. Luz e sangue. Céu e terra. Corpo e alma. Eu e ela. Eu sou o corpo de terra do céu a sombra de carne da Via-Láctea. Sou feito de estrelas vivas de sangue. Sou o amanhecer do universo a transparência do céu a palavra a fazer-se pasta seca de lama. E ela luz ausente jóia de estrela é a alma de luz da terra. Céu e terra. Terra que é sangue e corpo mas corpo que encontro ao céu e céu que é luz e alma mas alma que encontro à terra. Eu e ela. Eu que sou já o céu mas o céu verde e denso e ela que é a terra mas a terra azul e eterna com flores de estrelas. Há partes de mim que são dela e há partes dela que são minhas. A minha alma não é minha. É dela. O seu corpo não é dela. É meu. Eu sou o seu desejo e ela é a minha saudade. Ela é a noite original a luz da treva mas antes dela existiu o meu sol que anoiteceu saudoso da sua escuridão. Ela é o canto inicial mas antes dela existiu a minha solidão que chorou de saudades suas. Dissolvido em trevas eu amanheci com o seu desejo arrefecendo em sangue e canto a sua noite e o seu silêncio. António Cândido Franco