Todas as cores eram suaves naquele tempo em que acreditávamos que a divindade existia. Hoje o nosso amor distribui-se por pequenas parcelas de nuvens cor-de-rosa, alguns segmentos de sol que tomaram a forma de um lago sobre o nosso olhar, um risco entre duas coisas que já não sabemos nomear mas estão lá, perante as nossas mãos chegam a queimar os sentimentos e a magoar como jamais pudemos imaginar. A divindade ainda vive, tal como vivem coisas imemoriais entre nós, mas talvez se tenha perdido o sentido essencial do que habita a alma nestes dias, o poderoso triunfo da aliança sobre todos os eventos. Sentamo-nos nesta pedra e esperamos, um processo de múltiplos brilhos emerge do céu para que contemplemos a dor, às vezes adormecemos para escutarmos as vozes do que aconteceu e o pesadelo adensa sobre as cabeças esse ruído indizível de muitos anos de desolação após outras tantas estações de uma felicidade quase subversiva, alheia a tudo quanto dói e fere. Hoje é possível dizer que o amor nos induziu às sete partidas do mundo e a clareira nos espera ainda se algo mais denso pulsar na pedra do nosso contentamento, eu digo como te entrego este bloco de sílabas inesperadas para compreender todas as turbinas do mundo, os seus vulcões, o movimento que enche o coração e há-de animar de novo a divindade a operar o milagre da transfiguração e da esperança. Amo-te dezenas de vezes e de mil maneiras diferentes, carrego nos dedos este inebriamento de mel com o teu nome e o teu odor e sei como há plácidas tempestades entre dois seres, a flor do meu segredo é essa pulsão que conduz às tuas raízes para que um imenso vendaval de pétalas floresça no meu peito, meu amor, um surto de escuridão. Amadeu Baptista