Gravuras no Vento II
Cabelos ao vento,
soltos, como vão revoltos
— ah — seus pensamentos.
Doze, compassadas,
tangendo o silêncio e o tempo,
doze badaladas...
Fina e clara, a chuva,
qual a janela que tem
mais bela cortina?
Nuvens e mais nuvens
a passar, bem que me deite.
Foi-se o ... meu luar.
Uma flor no mato
solitária, rubra, sangue
no verde compacto.
Não tem sul nem norte,
nem oeste ou leste — é céu.
Céu somente azul.
Voltevolteiando
no cristal do tanque, as carpas
silenciosonhando...
Sol da madrugada.
Vai surgindo: dentro de uma
teia iluminada!
Uma borboleta.
Nada mais, nem leve aragem.
E a rosa é desfeita.
Flor em que não vai
a libélula pousar.
Na espuma do mar.
Por acaso a sua
caminhada é a mesma, ou ela
o acompanha, a lua?
Ramagens crestadas
reflorindo: borboletas
nas cinzas, pousadas.
Voz da cachoeira,
ao viço da mata vai
líquida poeira.
Reflita: no espelho,
aquele que o imita,
quem será? Você?
Lembradas jamais,
as flores do morto vão
mortas, muito mais.
Tem cativo, o canto,
mas o muda borboleta
é livre, no entanto.
Noite a dentro, um cão
late, insone, a quem nem late,
seu insone irmão.
Ah, esse berreiro
das cigarras no austero
parque do mosteiro...
Num céu claro e puro,
um corvo paira sereno
— feio, torvo, escuro.
Cai a neve, e penso
no quanto se deve ser
puro como a neve.
Que fazer com as mãos,
não mais — não — senão guardar
seu fugaz perfume?
Ouracorrentado.
Entre seios femininos,
recrucificado.
Espana a poeira
de luz das estrelas, ou
— no vento — é palmeira?
Mudos edifícios
permutando, permutando
surdos malefícios.
Fuçando em monturos,
anjos andrajosos de
presépios escuros.
Chuva de verão,
chuva de flores na chuva.
Reflorindo, o chão.
Os bois, pacientes.
Mas as rodas, por que vão
gemendo, gementes?
Brancos, a igreja
e o casario entre verdes,
escorrendo ao rio.
Na rua quieta,
a flauta de um vagabundo
— músicopoeta.
Nas mãos de uma negra
— noite-escrava —, uma urupemba
peneirando estrelas.
Oldegar Vieira
Publicado em 9 de Fevereiro de 2011